No disco, a baiana Cacá Magalhães, de 17 anos, mostra que é mais do que a menina que viralizou aos 12 num vídeo em que cantava Nina Simone com vozeirão de gente grande
(Foto: Divulgação / Sony Music))
No palco, a guitarra toca um acorde e a menina de frente pro microfone começa a cantar “Feelin’ good”, sucesso com Nina Simone. A potência e a autoridade de sua voz surpreendem — parecem grandes demais para a garganta que ainda nem havia chegado à adolescência.
A cena aparece num vídeo que viralizou há alguns anos, alcançando dezenas de milhares de visualizações e gerando reportagens com o jovem talento. Foi a primeira vez que o Brasil soube da baiana Cacá Magalhães, que na época tinha apenas 12 anos. Agora, aos 17, a cantora lança seu primeiro álbum, “Só sinto” (Sony Music), para mostrar, em 11 canções inéditas compostas por ela, que é mais do que um trend topic, um assunto do dia nas redes sociais.
Quando aquele vídeo foi gravado, Cacá já cantava há dois anos (ou seja, desde os 10) na banda Terráquea, que circulava pelo circuito soteropolitano com um repertório de blues e soul. Pouco tempo depois, deixou o grupo e iniciou um trabalho solo. Alguns de seus vídeos chegaram aos olhos e ouvidos da Sony, que a procurou.
— Minha mãe segurou um pouco, disse que eu era muito nova — lembra Cacá. — Mas aos 14, com uma maturidade maior, comecei o trabalho que viria a dar no disco.
Em 2020, a canção “Poeira de estrelas”, composta por ela em parceria com a irmã Maju Magalhães, foi lançada como single, marcando sua estreia fonográfica. A música faz parte de sua primeira safra de composições — foi na pandemia, durante a quarentena, que ela e Maju, que assinam juntas todas as músicas de “Só sinto”, começaram a explorar acordes e versos e a produzir um material próprio.
A musicalidade de Cacá, porém, era nítida desde antes do início de sua trajetória profissional com a banda Terráquea.
— Desde sempre vivia cantarolando, sobretudo na casa dos meus avós — conta. — Foi lá que tive meu primeiro contato com violão, ouvia as músicas que meu avô me mostrava, cantoras como Aretha Franklin, Ella Fitzgerald, Etta James. Minha irmã, que é sete anos mais velha, reparava isso e sugeriu aos meus pais que eu estudasse música.
Aos 4 anos, Cacá começou a fazer aulas de canto — suas mãos ainda eram muito pequenas para os instrumentos. Mais tarde, aos seis, passou a estudar piano e, aos nove, violão e guitarra.
Com o pai, ouvia o rock nacional dos anos 1980, de Legião Urbana, Paralamas e Barão Vermelho. Referência central para Cacá, Cássia Eller também veio no pacote. Afinada com os colegas de escola, era louca por Justin Bieber e por séries como High School Musical. Já durante a pandemia, mais velha, se lançou na geração 1990/2000, de bandas como Charlie Brown Jr. e Los Hermanos.
Todas essas influências se cruzam de alguma forma em “Só sinto”. O álbum, produzido por Paul Ralphes e Rafael Barone (parceiro das irmãs em “Vale a pena”, uma das faixas), traz uma sonoridade pop contemporânea, com tempero rock nos arranjos e pegada soul/blues no canto de Cacá.
“Só sinto”, faixa-título, abre o disco. Ela traz a originalidade de ser uma canção de separação solar, olhando para o futuro de maneira otimista, com ritmo que joga pra cima: “Vou partir/ Não vou olhar pra trás”. A cantora conta que, musicalmente, sua inspiração central para a composição foi “Do sétimo andar”, de Los Hermanos.
“Cê sabe” é canção de amor em crise, mas sobre o qual a letra diz: “insisto em nós”. O arranjo desenvolve a densidade no bumbo marcado e na conversa de violão e guitarra.
— Pensei as guitarras dessa — explica a cantora. — Minha cabeça ferve dando ideias para os arranjos, ideias que mostrava pro (produtor) Rafa às vezes no violão, outras só na voz mesmo.
“Ponto de encontro”, com arranjo de crueza rock de Ralphes, faz balanço do amor terminado: “Porque eu sei que o que eu vivi/ Valeu também pra ti”. Já “Sozinha”, composta em meio ao isolamento da pandemia, trata da solidão ecoando uma melancolia que dialoga com a obra de cantoras como Adele. Cacá pensava em Imagine Dragons ao produzi-la.
“Para que não se repita” anuncia, dramática: “A história está em mim escrita/ Para que não se repita/ Porque foi duro de curar”. Cacá explica que a letra de Maju pode ser entendida como a de um amor traumático, mas originalmente sua irmã a pensou como uma metáfora para a ditadura militar que se instalou no Brasil entre 1964 e 1985.
“Grita mulher” nasceu numa semana em que Cacá e Maju foram impactadas por um caso que ocupou o noticiário, de violência contra uma mulher. As cordas do arranjo sublinham a ideia de comunhão, solidariedade expressa no verso “Juntas lutaremos/ Juntas avançaremos/ Sua dor dói em mim”.
— Ela começa bem triste e depois vai crescendo, numa sensação de esperança. Como a letra diz: “Ainda no chão/ Retomou o ar/ Se reergueu/ Fez sua voz ecoar” — nota Cacá.
“Vale a pena” foi escrita no Parque do Ibirapuera, por Cacá, Maju e Rafael. Eles observavam o contraste entre a natureza da área verde e a pressa de São Paulo. Em vez de lamento, porém, a mensagem é de positividade.
Descrita como “explosiva” por Cacá, “Bruxaria” caminha de uma atmosfera sombria para um funk-soul dançante. “Coração solto” também tem uma dinâmica semelhante, de dois momentos bem marcados, ecoando em algumas partes bandas da primeira década deste século, como Franz Ferdinand e Strokes.
“Loucura” traz a raiz blues de “Cacá”, num ensaio rasgado sobre a insanidade. Ela antecede “É preciso se perder”, que fecha o disco. Uma canção sobre autoconhecimento, mudança, crescimento. “Barco sai sem destino mas com coragem/ Desancorar/ É, meu jovem/ É preciso se perder para poder se encontrar” — recado que a adolescente Cacá canta para si e para o mundo ao lançar seu barco em forma de álbum.
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