Como Beyoncé trabalhou a ira, o auto conhecimento, o empoderamento feminino e o conceito dos "dois mundos" no vídeo!
(Fotos: Reprodução/ Parkwood Entertainment)
Quem leu o artigo sobre o capítulo dois, com “Hold Up”, percebeu que a personagem encerra o vídeo acertando um taco de basebol no seu amante traidor (Jay-Z). Em seguida, a personagem sai andando sobre vários carros, neste momento, se inicia o capítulo TRÊS do "Lemonade", chamado de "Anger" (Raiva), com "Don't Hurt Yourself".
É importante lembrar mais uma vez aqui, que o “Lemonade” é uma obra áudio visual que mescla fatos do passado e do presente, de forma a construir uma narrativa sob a perspectiva de quem assiste, por isso temos o contraste de vestimentas clássicas e modernas em muitos momentos da obra. O terceiro capítulo se inicia, seguindo com o poema de Warsan Shire sobre a “troca de pele” e o mundo criado pela Beyoncé em seu momento de raiva ("Anger", título do capítulo em questão). Enquanto o poema é recitado, cenas nos levam a entender mais uma vez, que o local onde tudo acontece, se passa em Nova Orleans. Um culto também começa a ser descrito em preto e branco.
Ao longo do poema, a personagem que, descobre a traição, passa por um momento de entendimento próprio e questionamento do “porque você escolheu ela e não a mim?”. Através de frases fortes como “eu posso usar a pele dela sobre a minha”, essa personagem (Beyoncé) TENTA se refazer nos moldes de outra mulher. Há quem diga aqui, que, essa troca de pele, seja reflexo de uma mulher mais CLARA que a Beyoncé e com características brancas, a descrita “Becky do cabelo bom”. O fato da personagem negra, por um momento, pensar que poderia se moldar como essa tal mulher reforça isso, como se observa nos seguintes trechos:
"Se isso for o que você realmente quer, eu posso vestir a pele dela sobre a minha, o cabelo dela sobre o meu, posso fazer as mãos dela como luvas, os dentes dela como confetes. Posso usar o couro cabeludo dela como boné."
A personagem segue com o poema, enquanto cenas do estacionamento são mescladas com momentos EM PRETO E BRANCO de um culto, entre mulheres, sendo realizado. Aqui, pode ser feita a análise, sobre a criação da mulher do outro mundo, dentro da perspectiva de uma amante que foi traída. É a TENTATIVA de se colocar sobre a pele de outra mulher. As constantes cenas do estacionamento em câmera lenta são o reflexo da mente da personagem, como se estivéssemos passeando pelos pensamentos dela. Confusa, perdida e tentando se encontrar em meio ao caos dessa identidade. A eterna dúvida desse capítulo, tentar se moldar ou seguir em frente?
“Porque você não consegue me ver? Todo mundo consegue!”. A frase final do poema dá início à música que se inicia com a personagem vestindo um casaco de chinchila, ao lado de um carro. Aqui, eu já posso inserir uma referência que talvez muita gente não tenha percebido. A Beyoncé já tinha usado um casaco de chinchila em 2003 na música debut “Crazy In Love”, parceria com Jay-Z. O rapper ainda cita “My texture is the best from Chinchilla”, algo como "minha textura é o melhor do Chinchila" . Reparem no registro do clipe de "Crazy In Love", a presença do carro, do fogo e num ambiente muito similar ao de "Don’t Hurt Yourself".
Dada essa pequena referência sobre “Crazy In Love” e pele, voltamos para a "Don’t Hurt Yourself". A canção se inicia com um sample forte de Led Zeppelin e vai refletindo que absolutamente toda a energia que você põe no mundo, acaba se tornado um reflexo de você mesmo. Beyoncé vai refletindo sobre toda mulher que faz de tudo por alguém ou alguma coisa e não recebe o devido valor por isso.
O vídeo segue com a personagem se afirmando e se pondo como independente. Existe aqui uma quebra, aquela mulher que estava sendo criada sobre a pele de outra, perde espaço. A dualidade dos dois mundos fica evidente. Todas as cenas que seguem em preto e branco, são reflexo de uma mulher insegura e perdida. Enquanto que a personagem decidida segue falando que não vai mais aceitar outra traição e que ela é dona de si, e portanto, pode fazer o que quiser. Nesse ponto, temos a introdução do discurso de Malcolm X, no meio da música, intercalando com cenas de mulheres NEGRAS :
“A pessoa mais negligenciada, desprotegida e desrespeitada na América é a mulher negra.”
Esse é um reforço, para dizer que toda a mensagem do “Lemonade” diz respeito à comunidade negra, em especial, às mulheres. Após o discurso, a personagem aparece de forma direta, afirmando que não irá tolerar outra traição. A cena clássica com a frase “GOD IS GOD AND I AM NOT”, (Deus é Deus e eu não sou), é apenas uma forma de dizer que Deus perdoa, mas a Beyoncé não. (Também serve pra dizer que a Beyoncé é humana).
No final de tudo, a personagem em preto e branco MORRE (pelo menos em pensamento). Sim, ela funciona como uma válvula de escape e sua morte é confirmada com a retirada do anel de noivado da Beyoncé. Essa morte é descrita no capítulo seguinte com “Sorry”, não atoa, o vídeo todo é feito em preto e branco.
Texto: Arthur Anthunes
Revisão: Lucas Libório
eolor
Comments