Samantha Ofole-Prince relata experiência em torno da premiação. O fracasso da organização em recrutar membros negros agora ameaça a própria existência do Globo de Ouro.
(Ofole-Prince: Clinton H. Wallace/CoteDAzurWebfest; Globo de Ouro: Cortesia da HFPA)
Numa matéria exclusiva para a Variety, Samantha Ofole-Prince conta sobre rejeição que sofreu em torno do Globo de Ouro. Há cerca de uma década, a jornalista recebeu uma mensagem de um membro da Hollywood Foreign Press Association (HFPA), grupo que organiza a premiação, em questão. Ofole-Prince, que é negra, cresceu no Reino Unido e já escreveu publicações de entretenimento nos Estados Unidos, Reino Unido, África e Caribe. O membro da HFPA - que Ofole-Prince recusou-se a identificar para protegê-la de controvérsias - queria um encontro. Na reunião, o membro disse que o grupo estava procurando recrutar membros negros e perguntou a Ofole-Prince se ela estaria interessada em ingressar.
"Quantos negros vocês possuem?" Ofole-Prince perguntou.
“Não temos nenhum no momento, infelizmente”, respondeu o membro. “É muito constrangedor para nós.”
O fracasso da organização em recrutar membros negros agora ameaça sua existência. Recentemente, uma coalizão de publicitários organizou uma campanha de boicote, seguidos pela Netflix, WarnerMedia, Amazon e outras empresas de entretenimento que agora, se recusam a trabalhar com o Globo de Ouro. No início desta semana, a NBC - que inicialmente apoiava as reformas propostas de mudança de diversidade do HFPA - anunciou que não iria transmitir a premiação em 2022. Tanto dentro quanto fora do grupo, há incertezas sobre a continuidade do evento a partir de 2023.
Texto escrito por Arthur Anthunes (ARTH) @anthunesarth, via Twitter.
A história de Ofole-Prince - que ela nunca compartilhou publicamente antes - fornece um vislumbre de um caminho não percorrido. Se ela, assim como outros negros, tivessem recebido permissão para ingressar em 2013 no Globo de Ouro, a HFPA poderia estar em um caminho para se tornar mais diversificada e, possivelmente, não estaria com tantos problemas como está agora. Mas depois de ser CONVIDADA a se candidatar, Ofole-Prince foi rejeitada. A HFPA atribuiu a sua rejeição a um problema com os registros de revista enviados com sua inscrição. Mas, de acordo com Ofole-Prince, sua candidatura encontrou resistência de membros que temiam que ela competisse em seu território. Ela trocou um e-mail com um membro do Globo de Ouro, residente na África do Sul, que queria garantias de que Ofole-Prince não trabalharia para revistas e jornais sul-africanos. É difícil dizer com certeza se esse problema acabou com sua nomeação, mas Ofole-Prince acredita que essa foi a razão e disse ainda, que baseia essa conclusão em conversas com seus apoiadores e colegas de trabalho.
Os mais de 80 membros do HFPA são, em sua maioria, jornalistas freelancers para publicações internacionais. Sua associação - e a possibilidade de votar no Globo de Ouro - dá a eles influência e acesso a entrevistas e coletivas de imprensa que não são concedidas a outros profissionais. Contudo, os membros da organização temem a competição interna. De acordo com uma ação movida em agosto de 2020, os membros reivindicavam várias exclusividades e concordavam em não trabalhar nos domínios uns dos outros. Uma jornalista norueguesa, Kjersti Flaa, alegou no processo em questão, que ela havia sido rejeitada porque dois membros escandinavos temiam que ela competisse com eles por publicações de veículos escandinavos. Seus advogados apresentaram declarações sob juramento de vários outros jornalistas estrangeiros, que disseram que eles também tiveram sua admissão negada devido a questões de concorrência.
Ofole-Prince não sabia de nada disso quando foi apresentada nos eventos da HFPA. Vários membros concordaram em apoiá-la, e assim, ela enviou um pedido de admissão. Mas ela logo soube que havia um problema. Através de um e-mail, Margaret Gardiner, uma integrante sul-africana do HFPA , fez questionamentos preocupantes a Ofole-Prince. “Eu poderia, por favor, ter uma garantia formal sua de que, se eleita, você se comprometerá a evitar publicar qualquer coisa na África do Sul?”, Gardiner escreveu. Ofole-Prince normalmente trabalhava para publicações na África Ocidental e não havia trabalhado para nenhuma agência na África do Sul, então ela respondeu que aceitaria a condição. Gardiner respondeu minutos depois: “Seria ótimo se você pudesse me informar quais territórios você cobre na África para me dar a garantia". Ofole-Prince respondeu: “Os territórios na África são Gana, Costa do Marfim, Níger, Benin, Nigéria e Serra Leoa. Por e-mail abaixo, se eleita para ingressar na HFPA, você tem minha palavra absoluta de que não publicarei nenhum artigo na África do Sul. ”
Gardiner prosseguiu novamente, buscando expandir sua jurisdição: “Obrigado, Samantha. Isso também se aplica aos territórios vizinhos. Como pode ver, há uma sobreposição na Namíbia, Botswana, Zimbabwe e o antigo Moçambique” , Ofole-Prince não respondeu a esse e-mail.
Samantha comentou para a Variety que também ouviu uma preocupação semelhante de outro membro, que também estava preocupado com a possibilidade de Ofole-Prince competir em seu território. “Todos os dias era algo novo”, disse. “Parecia que eles estavam me ditando para quem eu deveria escrever. Bem, você me convidou para entrar. Então você não pode ditar os termos para mim". Mesmo assim, ela se sentiu motivada para ingressar na organização, pois escreve muito sobre o cinema nigeriano e caribenho e queria trazer essa perspectiva para a mesa. “Achei que essa seria uma forma de compartilhar esses filmes com eles”.
A votação de sua inscrição foi realizada em 15 de maio de 2013. Samantha foi informada posteriormente que houve um debate acalorado, mas que apenas 33 dos membros da organização votaram nela. “Disseram-me que um pequeno grupo de membros bloqueou minha submissão”, afirmando que as questões territoriais eram a chave para sua derrota.
Em um e-mail para a Variety, Margaret Gardiner negou ter bloqueado a submissão de Samantha.
“Nunca fiz campanha contra Samantha”, escreveu ela.
Alguns membros são admitidos somente após serem rejeitados várias vezes, e Ofole-Prince foi questionada se ela gostaria de se candidatar novamente, mas ela recusou. “Infelizmente, a experiência que tive com a organização me deixou com um gosto muito amargo”, disse ela. “Não estou interessada em ingressar na organização da forma que está agora".
O jornal Los Angeles Times relatou sobre a falta de membros negros no Globo de Ouro em fevereiro de 2021, e desta vez a HFPA enfrentou uma forte reação adversa. Sob intensa pressão, a organização concordou em aumentar seu quadro de associados em 50% nos próximos 18 meses, com foco no recrutamento de grupos sub-representados. Ofole-Prince disse que algumas pessoas enviaram mensagens para ela depois que a polêmica explodiu, dizendo que agora, com certeza, ela iria entrar na organização. Sua resposta foi "O que faz você pensar que eu gostaria de entrar? (...) Há um lado ruim no HFPA”, disse ela. “Eles tiveram décadas para lidar com as questões da diversidade. Infelizmente, eles optaram por não ... eu não acho que seja recuperável”.
Você pode ler a matéria completa da Variety e com todos os detalhes, aqui.
Por: Genne Madaus
Texto e edição (adaptado): Arthur Anthunes
Revisão: Gabriela Lins
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